No romance Matalauê está me chamando, Vera Moll usa uma combinação de pesquisa pessoal e antropológica para organizar um cipoal de situações e emoções que rende muito o que pensar e o que sentir - duas coisas que o gênero gosta de combinar.
O tÃtulo vem da lembrança do discurso do indÃgena Matalauê Pataxó na "festa" de comemoração dos 500 anos da chegada da esquadra de Cabral a Porto Seguro: festa para os "brancos", porque aqueles que se reconhecem como indÃgenas foram mantidos à distância com o uso de violência e bombas de gás. No 22 de abril de 2000, Matalauê denunciou o genocÃdio fÃsico e cultural indÃgena que se repetia, ali, de forma escancaradamente realista, e reafirmou uma corajosa resistência de cinco séculos.
É o discurso de Matalauê que chama Vera Moll, uma "branca", a recontar a história familiar, que inclui o mito da "Ãndia pega no laço", e a se perguntar: quanto somos indÃgenas, o que fazemos questão de mostrar e esconder sobre isso, o que podemos - nação e indivÃduos - fantasiar sobre o passado e o presente?
Dúvidas, receios e fragilidades da romancista-personagem não são omitidos, pelo contrário, contaminam a trama iniciada em 1500, enquanto percebemos os conflitos do presente para diferentes etnias indÃgenas. Nesse "choque de civilizações" (vai aqui essa expressão delicada, mas só porque o espaço é curto), Moll escolhe seu lado e sua luta. E escolhe de modo ético, mas também poético.
Haroldo Ceravolo Sereza